terça-feira, janeiro 25, 2005

Como quem dança

Já tinha saudades de deixar alguma coisa no blog! Como não tenho tido tempo para cá vir "matraquear" - como diz a minha mãe - o que me vai passando pela cabeça, fui ao Word e copiei para cá um textinho que fiz para o concurso "Uma Aventura Literária". Não espero que gostem ou que desgostem. Para mim é um orgulho saber que ainda tenho imaginação para escrever alguma coisita completamente inventada. E é ao Luís que devo a recuperação do meu gosto pela escrita!

Como quem dança

Lá na cidade onde eu moro, existe uma longa calçada, com árvores dos dois lados, que desce até à estação de comboio.

Naquele dia, acordei à mesma hora de sempre, tomei o mesmo pequeno-almoço de sempre e segui, como sempre, para a estação. Percorro a calçada desde criança, portanto habituei-me a ignorar os pedintes que por lá vão estendendo as mãos a quem passa. Mas, naquele dia, não pude deixar de reparar num palhaço que encenava uma peça qualquer, que não sei dizer se seria ou não improvisada, pois não prestei a mínima atenção. Senti desprezo, repugnância. Como era possível que alguém desperdiçasse o seu tempo a assistir ao pobre espectáculo de um miserável que tinha escolhido não procurar um emprego a sério para ganhar meios de subsistência?! E eu que me fartava de estudar para um futuro incerto! Pelo menos, podia orgulhar-me dos bons resultados. Entrei no comboio e não voltei a pensar no assunto.

No dia seguinte, saí de casa mais cedo. Tinha planeado ir até à biblioteca da universidade procurar uns livros. À entrada da calçada, mais uma novidade. Desta vez, era um homem-estátua. Até hoje, não percebo o que me levou a parar para o observar. Vestia calças e casaco escuro, a camisa era prateada, feita de um material idêntico ao plástico dos sacos do lixo – e talvez fosse mesmo isso –, e a única peça colorida era o laço vermelho. A cara estava pintada de branco, à excepção dos lábios, que tinham exactamente a mesma cor do laço. Enquanto uma mão segurava a cartola em cima da cabeça, a outra ficava atrás das costas, em jeito de vénia.

Olhei para o relógio e verifiquei que já tinha perdido o comboio. Nesse preciso momento, invadiu-me o mesmo sentimento de repulsa do dia anterior! Afinal, por que é que eu tinha ficado ali a admirar aquele indivíduo insignificante, que não exercia absolutamente nenhuma influência sobre o que se passa no mundo?! Resignada, sentei-me num banco por baixo de uma árvore, decidida a aproveitar para estudar, enquanto esperava pelo próximo comboio. Pouco depois, ouvi uma voz entusiasmada de criança a pedir à mãe para colocar uma moeda na caixinha de lata do homem-estátua. Revoltou-me a facilidade com que aquela mãe cedeu ao pedido da filha, mas, sem querer, deixei que a minha cabeça se levantasse e dei por mim imóvel, expectante. Aquela figura que tanto tinha de caricato como de imponente estava a mexer-se e eu não conseguia desviar a minha atenção dos seus movimentos. Lentamente, virou a cartola ao contrário e, com a mão que até aí estava atrás das costas, retirou uma flor branca de papel que ofereceu à menina. Com o mesmo langor, retomou a posição de estátua. A minha mente ficou branca como a flor, não me lembro de uma única impressão, um único pensamento.

Era sexta-feira e, apesar do frio que se fazia sentir naquela manhã de Dezembro, estava sol. O despertador tinha tocado, mas eu desligara-o com uma pancada seca e corria agora para tentar chegar a tempo à estação. Eis que, ao cruzar a esquina que dava para a calçada, embato violentamente em alguém e todo o meu material se espalha pelo chão.

_ Peço imensa desculpa, menina! Vinha distraído, deixe-me ajudá-la.

A voz que ouvia era doce e talvez esse tenha sido o único motivo que me impediu de explodir, de descarregar de uma só vez todo o meu nervosismo numa pessoa que teve o azar de aparecer no meu caminho naquela manhã. Quando me pus de pé, os meus olhos encontraram-se com duas grandes luas verdes e isso acalmou-me.

_ Tudo bem. Estava atrasada e vinha a correr, porque os transportes públicos não esperam por ninguém. Agora já não há nada a fazer. Tem um bom dia e perdoa-me se te magoei.

Tomei a liberdade de o tratar por “tu”, uma vez que se tratava de um rapaz que deveria ter mais ou menos a minha idade. Preparava-me para continuar a andar, quando ele me surpreendeu, questionando-me:

_ A menina não gosta muito de palhaços, pois não?

_ Por favor, dispenso formalidades, devemos ter a mesma idade. E quanto a palhaços, não sei se gosto ou não gosto. Mas o que importa?

_ Menina, onde está o sonho em si?

Permaneceu uns segundos em silêncio, durante os quais não fui capaz de proferir uma única palavra, até que me convidou a acompanhá-lo até ao café mais próximo. Aproveitei então para tomar o pequeno-almoço, já que não tinha comido nada em casa.

_ O que fazes da vida? - perguntei, entre duas dentadas num bolo de chocolate.

_ Aproveito-a. Aproveito cada sorriso de criança, cada nascer ou pôr-do-sol, cada folha de árvore que vejo cair no Outono e cada flor que vejo crescer na Primavera, cada música que ouço, cada livro que leio e até cada dentada que dou no meu croissant com queijo! Aproveito todos os momentos. E vivo livre, como quem dança.

_ Quem dança é livre?

Então ele pegou-me, fez-me levantar da cadeira, colou-me ao seu peito e rodopiou comigo por entre as mesas onde estavam muitos outros clientes, enquanto trauteava uma melodia alegre. Podia ter-me sentido envergonhada, embaraçada, ridícula. Mas tive uma sensação estranha de leveza, de… liberdade! Não disse nada. Retribuí um sorriso amável e apressei-me a sair dali, porque ainda ia a tempo da segunda aula.

Ao fim da tarde, subi a calçada à procura do palhaço ou do homem-estátua. Queria apreciar o trabalho daqueles artistas, cujo valor havia posto em causa com tanta frieza. Queria desculpar-me de alguma forma, por ter julgado injustamente que aquele era um trabalho insignificante. E lá estava o homem-estátua, com o seu vistoso fato de ilusionista. Fiz soar o tilintar de uma moeda na caixinha de lata e contemplei fascinada o gesto lento e demorado da personagem. Inesperadamente, o que ele tirou da cartola não foi uma flor, mas sim um cartão vermelho. O mesmo vermelho vivo do laço e dos lábios. Continha uma mensagem escrita com tinta branca: “Eu sabia que te voltaria a ver. O palhaço e o mágico têm que ir embora, mas gostariam que te lembrasses sempre de que a vida é como uma dança”. Agradeci-lhe em silêncio e ele, como se me tivesse ouvido, piscou um dos seus grandes olhos verdes. E foi a última vez que o vi.

Começou a chover, mas eu continuei a andar despreocupada, enquanto cada gota de chuva me purificava o corpo e a alma, preparada para acolher uma nova descoberta.

Sei agora que o caminho para a felicidade é demasiado simples para nos ser ensinado. Ainda estou longe de atingir a meta, mas o facto de me encontrar no ponto de partida é o suficiente para me fazer sentir livre… como quem dança!

domingo, janeiro 16, 2005

João

Quando eu andava no 7º ano, lá por volta dos meus 12 anos, aconteceram muitas coisas. Mudei de escola, embora a minha turma se tenha mantido, a minha mãe foi trabalhar pela primeira vez fora de casa, veio-me a primeira menstruação, e fiz um amigo especial. O seu nome era João.

O João era o namoradito de uma colega minha e, inicialmente, eu até o achava um parvalhão. Um ano mais velho do que eu, mas já com um físico desenvolvido, julgava-se dono do mundo. Se bem que o mundo dele se resumia à escola... Adiante, o João era o "salta-pocinhas", por ser magro e de pernas compridas. Quem o apelidou foi a Tucaiana, da minha turma, que sempre fez considerações acertadas acerca das pessoas que conhecia mal.

Foi durante o namorico dele com a minha colega que nós nos aproximamos. Daí a pouco tempo passávamos os intervalos juntos. A primeira mensagem escrita que recebi foi dele, nem eu sabia que isso existia! Fomos construíndo uma amizade da qual me recordo com orgulho. Quando ele mudou de casa e passou a morar a 200 metros de mim, fiquei radiante! Nas férias, ele pedia-me para o acordar cedo e íamos dar a nossa voltinha quase todos os dias. Quando ele pedia à mãe para o levar a algum lado, ela perguntava logo se era comigo que ele ia ter. Éramos mesmo como irmãos, ou pelo menos era assim que eu o sentia.

Só que o João sempre foi muito influenciável. E eu sempre fui muito "certinha". Ora, quando ele se começou juntar à "malta da pesada", quis entrar na onda do tabaco e dos "charros". Eu, como miúda cheia de princípios, ameacei-o para que não entrasse por esse caminho, ou então podia deixar de contar com a minha amizade. É lógico que, se fosse hoje, eu não teria posto o problema desta forma, mas naquela altura foi o que se sucedeu.

A entrada do novo ano lectivo foi um tanto ao quanto trágica. O João só andava com aquele grupo de rapazes estranho que passava os intervalos a fumar às escondidas. Ignorava-me, praticamente! E eu, típica rapariga de 12 anos, enviei-lhe uma mensagem escrita a mandá-lo "para o Inferno" com "os novos amigos". A amizade já tinha sido perdida algures.

Há quem diga que os verdadeiros amigos são para sempre. Eu acredito que, durante algum tempo, eu e o João tenhamos sido verdadeiros amigos e é uma recordação que não quero perder.

sábado, janeiro 15, 2005

Diz a Miúda

Diz a miúda que as coisas que parecem difíceis até podem ser as mais simples.
Diz a miúda que o Mundo ainda está por descobrir e que isto em que vivemos é só uma mistura de mundos diferentes.
Diz a miúda que os pensamentos de hoje podem ser a convicção de amanhã... e a piada da semana seguinte.
Diz a miúda que o egoísmo pode revelar-se de forma involuntária, quando é preciso escolher entre o nosso bem e o bem dos outros.
Diz a miúda que as escolhas não precisam ser todas feitas a pensar no futuro.
Diz a miúda que às vezes devemos viver um minuto sem nos preocuparmos com o minuto seguinte.
Diz a miúda que querer nem sempre é poder.
Diz a miúda que Deus existe, mas não obriga ninguém a acreditar nele, e que nem tudo o que ouvimos na missa é verdade.
Diz a miúda que existe uma banda sonora para cada um de nós, mas só pode ser ouvida se nos descobrirmos a nós próprios.

A miúda diz muita coisa. E mesmo que, no fundo, não diga nada, vai escrever aqui o que diz.
A miúda sou eu e para já digo: Olá!