sexta-feira, agosto 26, 2005

Sem título II

Avançou confiante. Passos largos, num ritmo constante e carácter decidido. Não viu, não cheirou, não sentiu nada. E durante muito tempo avançou assim, carregada por uma vivacidade moribunda, por um gesto pensado numa incapacidade de pensar. Talvez tenha sido este o segredo que a levou a acordar um dia sem saber onde estava, na certeza de que nada tinha sido um erro, de que o percurso trilhado até ali estivera sempre escrito num mapa visto e revisto na transparência de um impulso.

Já distinguia o verde escuro da madeira pintada do banco de jardim do qual se erguia agora e atentava à voz insistente de criança que lhe rogava para se mudar para qualquer lado que não servisse de baliza de jogo de futebol.

Sentiu fome. Do outro lado da rua havia uma série de casinhas térreas, paredes azuis e telhas laranja, tal desenho de quem pega pela primeira vez numa folha em branco e num estojo de lápis de cor. Uma delas chamava a atenção pelos cortinados rendados que esvoaçavam na corrente de ar. Sem saber exactamente porquê, encaminhou-se na direcção da porta branca rodeada de vitrais com figuras religiosas e bateu suavemente. Rezam as regras da boa educação que deveria ter esperado mais, mas alguma inquietação fê-la voltar a bater, desta vez com mais força. Imaginação alguma haveria de pintar a silhueta que lhe sorria de dentro da casa quando a porta se abriu.

[talvez continue...]

3 Comments:

At agosto 31, 2005 2:54 da tarde, Blogger Rosa Cueca said...

ahh mas devia continuar! :)

 
At setembro 12, 2005 7:21 da tarde, Blogger da.rocha said...

'Longo será o percurso se pensares que a
racionalidade tudo resolve, sendo esta a
Desvantagem do homem… Atira-te!
Estarei por lá perto, e se entrares na
Linha errada, é porque o teu vagão é
Mesmo esse, propositadamente esse. Esse e não outro!
Talvez um dia, tu e quem te figura, entendam que
Os vossos mais perpendiculares traços são os mais
Perfeitos paralelos equidistantes do centro da razão…'
...palavras antigas que acho serem próximas do teu pensamento... 'na certeza de que nada tinha sido um erro, de que o percurso trilhado até ali estivera sempre escrito num mapa visto e revisto na transparência de um impulso.' ...porque o nosso vagão está nos mesmo destinado, mesmo sendo o 'errado'...
Beijos...

 
At setembro 22, 2005 9:57 da tarde, Blogger Mike Monteiro said...

Espero que continue. Com outras personagens ou estórias, a tua escrita não deve morrer.

 

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